20080613

Eu sei, mas não deviamos...


Acostumamo-nos a acordar de manhã, sobressaltados porque estamos em cima da hora, tomamos o pequeno-almoço a correr (ou não tomamos, simplesmente) porque o atraso já vai longo.
Acostumamo-nos a ler o jornal no comboio ou no metro porque (para além de ser gratuito) não podemos perder tempo na viagem, comemos sandes ou qualquer coisa com bom aspecto no primeiro café por onde passamos, porque não encontramos tempo para almoçar.
Acostumamo-nos a andar nas ruas e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios, a ligar a televisão e assistir à publicidade que chega a ser mais longa que os próprios programas televisivos.
Acostumamo-nos a lutar para ganhar dinheiro, a ganhar menos do que precisamos e a pagar mais do que as coisas valem.
Acostumamo-nos a morar em apartamentos antigos e a não ter outra vista que não seja a das janelas ao redor.
Acostumamo-nos a não abrir de todo as cortinas, e à medida que nos acostumamos, esquecemos o que é o sol, o ar, o horizonte.
Acostumamo-nos à poluição, à luz artificial de ligeiro tremor, ao choque que os olhos levam com a luz natural.
Acostumamo-nos às bactérias da água potável, à morte lenta dos rios, à contaminação da água do mar.
Acostumamo-nos à violência, e aceitando a violência, que haja número para os mortos. E, aceitando os números, aceitamos que não haja paz.
Acostumamo-nos a coisas demais para não sofrer.
Acostumamo-nos para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que de tanto se acostumar, se perde por si mesma.
Acostumamo-nos, eu sei, mas não deviamos.


Adaptado das palavras de Marina Colassanti...
A imagem sem dúvida teria que ser alusiva à preguiça e ao comodismo, e quem melhor que o Garfield para a representar?

1 comentário:

Sol disse...

É por isso que é tão bom morar em Évora! Apesar dos atrasos da manhã e do pequeno-almoço tomado à pressa, arranjamos sempre tempo para ler o jornal com calma (não há metro, não apanhamos transportes...). Almoçamos com calma pq, aqui, o almoço é sagrado e quando abrimos as janelas temos vista sobre a Sé, sobre o seminário, sobre o espírito santo, sobre o centro histórico... Ao fim da tarde caminhamos sem pressa pela cidade ou pela ecopista, come-se um gelado na zoka ou, se for Inverno, umas castanhas assadas no Giraldo... Quando chegamos a casa sabemos que temos todo o tempo do mundo... E podemos conversar, rir, ver um filme ou outro... Amanhã é outro dia e nós estamos conformados com esta vida, com todo o tempo do mundo! (E ainda bem...)! =)